sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Norma, a morna

Norma tinha diabetes e pressão alta. Só tomava banho quando fedia.
Não beijava de língua, que isso é coisa de puta.
Norma estudou em colégio católico, mas não gostava de rezar e tinha medo de demônios. Não falava palavrão quando se queimava, dava muito trabalho.
Costurava botões usados em camisetas velhas e bebia chá sem açúcar.
Norma falava baixo e não repetia. Olhava sem ver e andava arrastando os chinelos, tinha uma preguiça virulenta.
Não gostava de nada em particular e enojava várias coisas. Sentia calor no calor e suas janelas eram sempre fechadas, na verdade pregadas com pregos grossos para não entrar poeira. Não acreditava em amor. Era indiferente em relação à poesia e não ouvia música. Seu dia começava ao meio-dia e só fazia uma refeição. Norma cortava curtos os cabelos para não ter que pentear e para não dar caspa. Filhos para ela nem pensar, que criança é coisa que dá trabalho. Solidão era para ela melhor companhia que bicho de estimação. Usava saias feias que batiam no joelho e que não tinham estampa ou cor definida.
Conservava sua beleza, que só ela via. Nem batom usava... Nunca casou porque ninguém a merecia, de fato... Ela não era nem amarga e nem azeda, era insípida como uma estátua de gesso sujo. Era morna, e seguia todas as normas.
A velha Norma de trinta e seis anos era aquela coisa estranha, aquela gente que passa sem ter vivido, mas que mesmo assim deixa uma lição, a de que não queremos, não podemos ser igual a ela.


PS: Inspirado em uma colega de faculdade.

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